O paradoxo da carreira no serviço público brasileiro: o teletrabalho como ampliação de conquistas ou um projeto de invisibilidade?

Por Adelmária Ione dos Santos*

Quando falamos em paradoxo, estamos diante de situações nas quais as premissas de um argumento não são necessárias para sustentá-lo, logicamente até porque contraria princípios básicos e gerais aceitos pela maioria. Assim é a prestação do serviço público no Brasil, no momento da maior crise sanitária vivida pelo país.

Em tempos pandêmicos, é notório que a sociedade brasileira necessita, talvez mais do que nunca, da ampliação e da valorização do serviço público e, consequentemente, daqueles que o prestam. Entretanto, o que se observa na grande mídia é um ataque constante e sistemático aos servidores públicos, inclusive com discursos e práticas capitaneadas pelo governo federal que chegou a afirmar que os servidores públicos eram preguiçosos, mal feitores e inimigos da nação e por conta disso colocaria uma dinamite em nossos bolsos.

Aproveitando-se deste discurso de “persona não grata” criada pelo governo federal para fazer referência aos servidores públicos que se negaram a retornar às suas atividades em tempos de descontrole da pandemia do novo coronavírus no país, o governo federal tira de sua manga uma carta que pretende iludir os servidores públicos e a sociedade de modo geral que se chama teletrabalho.

O teletrabalho não é uma novidade no serviço público brasileiro como quer fazer crer o governo federal. Essa modalidade de trabalho foi implementada no Brasil em 2005 no Serviço de Processamento de Dados do Governo Federal (SERPRO). De lá para cá, vários órgãos da administração pública implementaram esta modalidade de trabalho, ainda que ela esteja desregulamentada por lei.

Assim, neste período de total descontrole da maior crise sanitária da História do país, o teletrabalho aparece como a grande cartada salvacionista deste desgoverno para convencer a sociedade de que haverá redução de custos da máquina administrativa. Mas não é apenas isso. O teletrabalho tem ganhado muitos adeptos, inclusive entre os servidores públicos. São inúmeros os servidores que defendem o teletrabalho pautados nos interesses individuais, imediatista, acreditando na promessa da pseudo qualidade de vida que essa modalidade o trará.

Mas será que o teletrabalho é isto mesmo? Será que ele só causará benefícios? Ele representa a potencialização múltipla da força de trabalho do servidor público na administração pública ou ele é, na verdade, um projeto neoliberalista que esvazia o serviço público da presença do servidor os tornando-os invisíveis.

É inegável que o teletrabalho possui os seus benefícios e não queremos, aqui, ser totalmente contra a História. Negar as diferentes formas pelas quais o homem transforma a natureza para atender as suas necessidades seria negar o próprio homem e suas capacidades transformativas. Mas queremos chamar à atenção de que o teletrabalho não é apenas diminuição de tempo de deslocamento para ir à repartição pública, mas ele é, também, isolamento social da categoria. Se para espantar quaisquer possibilidades de ameaça a um poder opressor, utiliza-se do isolamento social entre os indivíduos, então para invisibilizar a força de transformação dos trabalhadores também se adota estratégias de isolamento como o teletrabalho que pode, em muito, enfraquecer a luta e dificultar a organização dos servidores públicos no Brasil.

No discurso de exaltação do teletrabalho, usa-se a máxima do custo-benefício, os servidores fazem a conta do que podem economizar com deslocamento e outras despesas, sem se darem conta dos prejuízos que são impossíveis de mensurar. Esquecem que passarão a confundir os espaços públicos e privados. Não saberão mais o que é “deixar” o trabalho na repartição pública para curtir os filhos e/ou filhas e/ou companheiras e/ou companheiros. Pelo contrário, é certo que o trabalho da repartição não sairá das suas casas. Ele estará no quarto, na sala, na cozinha e mesmo no banheiro que costuma ser o lugar de maior intimidade dentro de uma casa.

Mas as complicações não se resumem à confusão entre o espaço público e o privado. O teletrabalho também pode representar uma das maiores causas de adoecimento físico e psicológico dos servidores públicos, pois, afinal de contas, o servidor ou a servidora não encontrará mais o seu colega de trabalho para “conversar” nos corredores das instituições; para compartilharem as suas angústias, as suas expectativas; para tomar um cafezinho e dialogarem sobre o andamento do serviço em seus setores. Enfim, todos estarão “acorrentados” nas malhas eletrônicas do mundo virtual e isolados em suas casas, sendo altamente controlados pelos seus totens.

Para além da confusão entre o público e o privado e da ampla possibilidade de isolamento social entre os servidores e servidoras públicas com consequências para a saúde física e mental desses profissionais, o teletrabalho também traz custos adicionais para os atores da administração pública. Se antes os servidores utilizavam-se de copos, canetas, papel, tinta, telefone, água, luz e até o cafezinho custeado pela administração pública, agora, em suas casas, eles pagarão todas as despesas necessárias para a efetiva prestação de serviço público sem quaisquer possibilidades de ressarcimento dessas despesas.

Nesse sentido, sem termos a pretensão de esgotarmos toda a discussão sobre o teletrabalho, este artigo pretende, pelo contrário, dar o pontapé inicial para que tantos outros servidores e servidoras da administração pública no Brasil possam pensar sobre esta “nova/velha” modalidade de prestação de serviço que tem o potencial de tornar invisível e desnecessária toda uma categoria profissional que já vem sofrendo com toda espécie de discriminação e de preconceito no país. Sem querermos atuar como juízes que sentenciam verdades, a única verdade em jogo, aqui, é que o teletrabalho não pode e não deve ser pensado por um único viés, isto é, pelo viés da liberdade, da qualidade de vida e do empoderamento do servidor e da servidora pública, mas, pelo contrário, pode ser a concretização de um projeto de precarização total perante a sociedade.

*Adelmária Ione dos Santos é Coordenadora da pasta de Formação Sindical da ASSUFBA, formada em arquivologia pela Universidade Federal da Bahia, Especialista em Gestão Pública pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira e Mestranda em Ensino pela Universidade do Vale do Taquari.

Fonte: http://www.assufba.org.br/novo/o-paradoxo-da-carreira-no-servico-publico-brasileiro-o-teletrabalho-como-ampliacao-de-conquistas-ou-um-projeto-de-invisibilidade/?fbclid=IwAR3LrS7_QQxtzb1mCAyKcCwwooHoArR-yGeh7n9YkrfLHGFdFnli_Yxbfts

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